Diário de bordo

Sou um escritor iniciante, cuja a maior paixão é mexer com a imaginação e as emoções das pessoas. Como um eterno viajante, passo a vida navegando por mundos imaginários e vivendo aventuras sem fim. Criei esse blog inspirado em alguns escritores profissionais que relatam seu dia a dia, suas dificuldades e experiências em criar universos fantasticos. Acompanhe-me nessa viagem, mas tenha cuidado; Uma vez que se deixe levar pela fantasia, não há mais volta.

segunda-feira, março 20, 2006

Uma Conversa no ônibus

Talvez esse post não tenha muito a ver com literatura em sí, mas essa história me proporcionou momentos de reflexão interessantes, muito válidos quando se pretende dedicar sua vida a criar e contar histórias.

Eram 18:30 e estava eu parado no ponto aguardando a chegada do ônibus quando um homem de aparência simplória e olhos marejados veio falar comigo. Disse que estava procurando emprego e que precisava de R$0,70 para voltar pra casa. (ele me mostrou algo como R$1,30 em moedas na sua mão).
Eu não costumo dar dinheiro as pessoas, mas devido aquela situação coloquei a mão no bolso, puxei uma nota de R$1,00 e desejei que fosse com Deus . Passados dois minutos ele abordou um rapaz atrás de mim com exatamente a mesma conversa. O rapaz ficou indignado que até aquele momento ninguém havia lhe dado os R$0,70 para que ele voltasse pra casa. Me pediu licensa como se eu não houvesse feito nada por aquele pobre homem e foi até uma banca de doces ao lado para trocar R$5,00 e dar a ele o que pedia.

Quando voltou para trás de mim na fila, eu não resisti e comentei:
- Por acaso aquele homem te pediu R$0,70 pra voltar pra casa?
- Sim
- Pois é, ele me pediu a mesma coisa e eu dei R$1,00 pra ele. Acho que ele te enganou.
- Mas você viu a cara dele. Não tem problema, ele precisava mais do que nós.

Foi o necessário para começarmos um diálogo informal sobre as mazelas do mundo, a injustiça das pessoas e como alguns sem teto ganham até R$60,00 pedindo esmolas.
A conversa se extendeu para o interior do ônibus até alcançar aquele estágio aonde se torna impossível encerrar o contato e se trancar em seu mundo pessoal.

Logo descobri que Cassiano era músico por paixão, e despachante por profissão. Usava uniforme tipico de escritório (camisa bege e gravata listrada) e um boné de tecido (aqueles antigos, não esportivos) virado para trás.

Ele dizia ter vergonha de sair na rua com aquela roupa ("as pessoas pensam que tenho dinheiro, mas não tenho"), oferecia abraços ao invés de dinherio quando alguém lhe pedia esmola, e lutava para não passar fome.

Discutimos sobre tudo no longo percurso até em casa (descobri que ele é praticamente meu vizinho). politica, emprego, vocações, trânsito, Che Guevara, música e uma outra infinidade de assuntos. Ele me disse que a pouco usava cabelo comprido e roupas mais folgadas e que passara muito tempo tocando de bar em bar com a sua banda. Resolveu dar uma pausa em seu sonho para ganhar dinheiro. ("Se aparecer uma banda, eu vou junto. Mas tenho de pensar no meu futuro").

Foi quase no final da viagem que entramos no assunto sobre sonhos. Eu disse o que acreditava: "Quando uma pessoa deixa de sonhar, ela morre". Ele concordou comigo e disse uma frase que me fez pensar:

" É cara, cada um tem seu próprio mundo. A gente se fecha nele e tenta viver assim"

Me despedi de Cassiano com um aperto de mão. Ele desceu três pontos antes de mim e sumiu.

Foi naquele momento que olhei todo o ônibus e me dei conta o quanto ele estava certo. Estavam ali reunidas umas cinquenta pessoas e no entanto elas não se falavam entre sí. Todas estavam trancadas em seus mundos pessoais, sonhando, divagando ou apenas esperando a hora de chegar em casa.

Foi estranho pensar o quanto nós, seres sociais, nos encasulamos em nosso mundo em busca de algum conforto para a vida moderna. Acredito que o escritor é sobretudo uma pessoa que, em algum momento de sua vida, buscou um outro mundo aonde ele pudesse ditar as regras. Um lugar aonde pudesse criar sua realidade e relaxar do extenuante e cinzendo mundo moderno.

Mais do que isso, o trabalho do escritor é o de criar novos mundos que possam ser visitados por outras pessoas. Lugares aonde as regras são flexiveis e onde você pode deixar de ser o despachante de todo dia para ser o grande herói do mundo.

"O importante é fazer o que gosta por paixão a arte. Se ganhar dinheiro tanto melhor, mas se não fizer porque gosta, não dará certo" Disse o músico pouco antes de descer e sumir na noite de São Paulo.

1 Comments:

Blogger Mari - Ceres said...

esses encontros são impagáveis!

São encontros como esse q me fazem acreditar cada vez menos no acaso.

4:37 PM  

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